O Ribeiro
Segundo for esse sentimento intuitivo e os consequentes pensamentos, a força Divina de atuação autónoma será dirigida por ele para bons ou maus efeitos! Eis a responsabilidade com que o ser humano tem que arcar! Nisso encontra-se também seu livre arbítrio!
Corria devagar o ribeiro que a pressa de chegar ao mar era pouca. Deambulava por prados verdes e de vez em vez caía de alturas para mergulhar na cálida água de bacias formadas pela arte do tempo. Esgueirava-se por entre a vegetação cerrada das margens, usufruindo da sombra amiga que lhe ofertavam. Cálidas e cristalinas eram as suas águas quando o sol as beijava, fresca quando a sombra da vegetação as cobria. A tudo isto, Alphek, observava com olhar tranquilo, perscrutando o movimento alegre e ladino de seres elementares, que só o seu olhar espiritual podia ver. Há muito que o ser humano tinha perdido esta dádiva, por sua própria vontade, ao alimentar a arrogância “do querer saber melhor” e afastar-se do auxílio, rejeitando-o, dos seus guias. Na paisagem só o barulho da brisa e o marulhar do ribeiro, misturado aqui e acolá pelo trinar de aves canoras, se faziam ouvir. Tranquilidade, convidando a introspecção.
E assim, Alphek, pensava:
“Para onde caminhas Humanidade? Porque escolheste o caminho para baixo, o caminho que conduz à perdição, alimentas vaidades e arrogância, fechaste o teu espírito à condução de guias espirituais, que pelo amor do Altíssimo te foram disponibilizados. Escolheste a face negra da dualidade da vida e nas suas profundezas alimentas a miséria. Corres de olhar cerrado para o precipício, surda aos avisos, desprovida de Amor! Ninguém se furta à Lei da gravidade e quando chegar a hora, que virá, o peso das tuas ações envolver-te-ão num abraço fatal. Toda a materialidade, a seu tempo, será destruída e renovada para um novo ciclo de vida, não queiras estar cá quando esse tempo chegar, porque a destruição também te atingirá. Tiveras escolhido o caminho para o Alto e a paz e alegria perenes seriam o teu galardão. Vida eterna, porque a lei da gravidade, inflexível e no cumprimento da Vontade do Altíssimo, teria elevado o teu espírito para os Jardins Eternos, onde pertences, em vez de para baixo para as profundidades escuras da matéria mais densa, onde o fenecer é lei. Lá, no Paraíso, só o sentido da vida é real, e o equilíbrio é lei que alimenta e progride. Felizes os que chegarem perto dos degraus do trono do Altíssimo, a esses é permitido usufruir das alegrias dos justos e do Seu Amor.”
O toque de um sino repicou à distância, era hora do meio-dia e o seu passeio estava terminado. Devagar levantou-se e com olhar embevecido olhou em redor a despedir-se das pequenas criaturas que alegremente acenavam. A face do ancião expressava bem o equilíbrio entre o seu corpo e o espírito. Naquele recanto do mundo, a sua ilha, as sombras escuras ainda não tinham chegado, mas o tempo se encarregaria de as conduzir pela mão do homem. O semblante de Alphek sombreou por momentos e por momentos anteviu as imagens desagradáveis desse futuro, que de longínquo estava perto.
A extensão do prado verde terminava no penhasco, fundindo-se no horizonte numa mescla de cores, verde e azul, matizes alimentadas pela luz do astro rei que no etéreo irradiava a sua benfazeja luz para sustento e alegria de suas criaturas. No momento, a Ilha era a fortaleza da Palavra e Alphek o seu guardião; longos eram os tentáculos que se agitavam no outro lado do mar, cinzentos e obscuros, no meio da neblina opressiva e cerrada, desordenadamente traduziam o caminho que os seus mentores seguiam.
E o caminho era longo…
Alma Lusa